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Visões da Paternidade: De Odisseu a São José

10 de agosto de 2025

No princípio da lembrança que respira no espírito humano, quando o sopro do Ancião dos Dias abria as cortinas do mundo, vejo um homem erguido sobre um penhasco de fogo petrificado, olhando para o ventre escuro do mar. O vento, salgado e antigo como o próprio tempo, agita seu manto gasto; sobre ele pesa o decreto das Parcas, e o rumor de Poseidon ecoa como um trovão subterrâneo. Ainda assim, seus olhos são colunas de luz diante da tempestade, e neles arde apenas um nome: esposa, filhos, lar. É Odisseu — não o náufrago de um mar cruel, mas o arquiteto de um sonho que o Ocidente levaria consigo como um selo na fronte. Em cada ilha, em cada fera, em cada sombra que o tenta, ele não enfrenta apenas monstros: molda um rosto invisível, o rosto do pai, que surgirá nas gerações futuras como um farol aceso sobre a noite.

Vejo então um campo romano, queimado pelo ouro do sol poente. Um homem interrompe o ritmo da terra; deixa o arado e segura a mensagem da guerra como quem segura a espada e a cruz ao mesmo tempo. É Cincinato, que se levanta para proteger a cidade, mas retorna ao lar como quem regressa ao altar. A glória não o seduz; sua coroa é o silêncio junto à mesa, o pão repartido como sacramento entre os filhos.

Do outro lado do mundo, a lua, como lâmina de prata, repousa sobre um bosque de bambu. O velho cortador ergue nas mãos calejadas uma luz que não nasceu deste mundo: a princesa Kaguya. Seu sangue não é o dele, mas sua ternura é raiz mais funda que qualquer genealogia. Sob seu cuidado, o bambu floresce ouro — ouro que não compra, mas consagra; ouro que é metáfora e bênção, o brilho da paternidade que cria para além do corpo.

No século das cartas e das guerras de irmãos, vejo um homem em uniforme gasto, inclinado sobre uma mesa, escrevendo à luz de vela. O Sr. March, ausente no corpo, presente na voz. Suas palavras, como preces, atravessam a distância e sustentam o lar onde o espírito é muralha mais alta que qualquer pedra.

E todos eles — o viajante de Ítaca, o lavrador romano, o guardião do bambu e o pai epistolar — são rios que se derramam na mesma foz. Lá, em silêncio, diante de um menino que não gerou, está José, o carpinteiro: o guardião do invisível. Suas mãos, marcadas pelo labor, são colunas que sustentam não apenas um lar, mas um universo. Nele, a jornada de Odisseu se cumpre, mas sem mares ou guerras: sua Ítaca é a oficina de Nazaré, seu troféu é a vida simples, sua coroa é a humildade absoluta. Se Odisseu voltou para casa, José fez do lar o mundo inteiro. E assim, da pedra de Ítaca ao pó de Nazaré, a paternidade ergue-se como luz sobre as águas, sacramento de virtude e arquétipo eterno do que significa, em sua mais alta forma, ser homem.

 

Por Professor Eduardo Faria