Você está aqui:

Santidade: a nossa história de amor com Deus

4 de novembro de 2024

Celebramos no último final de semana o “Dia de Todos os Santos”, ocasião comemorativa a nossos amigos do céu, nossos intercessores junto a Deus e exemplos de amor a Jesus com todo o coração. Nisto consiste a santidade, uma meta que nem todos compreendem por não acreditarem que é possível iniciá-la aqui e agora. Sim, Cristo nos chama a ser santos como o Pai é santo (Mt 5,48). Somos chamados a dar uma resposta corajosa: “Para Ti, o meu tudo, meu Amado.”

 

No capítulo 19 do Evangelho de Mateus, o jovem rico se aproxima de Jesus para saber “como alcançar a vida eterna”. Jesus o orienta a seguir os mandamentos, e ele responde que já os cumpre. Jesus se alegra com o jovem e reconhece que ele é de fato uma pessoa piedosa. Nos dias de hoje, seria um católico que vai à missa aos domingos, confessa-se quando necessário com o devido arrependimento, reza, paga o dízimo e faz o mínimo necessário. Contudo, o jovem é chamado a ir além: a ser ainda mais generoso, de modo que não mantenha apego algum a esta vida. Jesus lhe pede que venda seus bens, doe aos pobres, abandone tudo e o siga. É provável que este jovem pudesse ter se tornado um discípulo, enviado em missão; porém, seu apego aos bens terrenos o entristeceu naquele momento (não estamos falando de pecado; o jovem rico não estava pecando ao possuir bens); mas, naquele instante, a tristeza o impediu de dar um passo a mais. Talvez nunca saibamos se ele o deu em algum momento posterior.

 

Este passo além significa sair da condição de servos, que cumprem o obrigatório e ficam esperando o pagamento de seu salário, para avançar à posição de filhos próximos do Pai e, assim, viverem em sua intimidade. Às vezes, não terão consolações ou agrados, como o servo tem, mas estarão na intimidade d’Ele. Não somos chamados a receber um salário de Deus. Somos chamados a ser herdeiros de sua herança eterna.

 

Para dar este passo, é necessário ter a coragem de revisitar nosso passado e louvar a Deus por sua infinita misericórdia ao vermos de onde Ele nos tirou. Não conheço sua história de vida, mas Deus conhece. Ele nos chama a olhar para o que já fomos e entender que nossos pecados passados não nos definem. Esta é uma dificuldade para trilhar o caminho da santidade: achar que nossos pecados, ainda que arrependidos e confessados, são maiores que a misericórdia de Deus.

 

É neste momento que entendemos a gravidade do pecado. Deus perdoa, o ser humano pode perdoar, mas a natureza não perdoa. O pecado traz consequências graves, pois contraria a consciência, perturba a ordem social e fere a lei divina, comprometendo nossa relação de amor com o Amado.

.

Quando se contraria uma ordem justamente estabelecida, deve-se ser reprimido pelo próprio princípio dessa ordem, que vela pela sua segurança (…). Por isso, aquele que age deliberadamente contra a voz da própria consciência merece o remorso ou a reprovação desta; aquele que age contra a ordem social merece uma pena infligida pelo magistrado que zela pela ordem social; aquele que age contra a lei divina merece uma pena infligida por Deus, nesta vida ou na outra (purgatório — grifo pessoal). (Reginald Garrigou-Lagrange).

 

Por mais que um assassino se arrependa amargamente de seu crime, confesse seu pecado com contrição perfeita e cumpra sua pena perante a sociedade na prisão, ainda assim, o traço do pecado fica marcado em sua vida, por ter tirado a vida de alguém, e na vida dos familiares que perderam seu ente querido. É possível que esse assassino se torne santo? Quem diz que não, duvida da onipotência do Amado que nos chama, além de não enxergar a trave no próprio olho.

 

Não me entendam mal. Não estou “passando pano” para assassinos ou outros tipos de criminosos. Mas devemos ter o cuidado de não buscar o status de bons moços apenas massacrando aqueles que erram e mascarando nossos próprios pecados, que também causam danos gravíssimos. Matar é grave, caluniar ou odiar alguém em pensamento também (ainda que em proporções diferentes). Trair o cônjuge é grave, seja em ato ou em pensamento consentido. Da mesma forma, ver alguém como um nada ou como um mero meio para nossos objetivos. Às vezes, ocupamo-nos tanto com o pecado alheio que não olhamos para os nossos. Só é possível alcançar a santidade examinando nossa própria consciência e compreendendo que é preciso renunciar a tudo o que nos desune.

 

Rogar a Deus a graça da purificação de nossos pensamentos, palavras e atos e fazer tudo por Amor.

 

É possível? Sim. Não deixe que seu passado o aprisione. Pode ser difícil, mas é libertador olhar para um hábito ruim que ficou no “passado”. Olhar para pecados que superamos e dizer de boca cheia: “Não quero mais esta prisão, Senhor. Não quero mais esta escravidão que me dominava.” Se você ainda acha que não é possível ser santo por causa de seus pecados passados, lembre-se: com certeza as pessoas apontavam para Maria Madalena por seu passado como prostituta, mesmo ela tendo abandonado essa vida por Cristo. Mas ela estava em paz, por viver a verdadeira liberdade. Muitos devem ter apontado o dedo para São Pedro por ter negado a Cristo, para São Paulo por ter perseguido e matado cristãos, para Santo Agostinho e tantos outros. Todos tinham um passado, mas sua determinada decisão por Deus mudou o futuro.

 

Você é chamado a viver uma relação de amor com Deus. Uma relação sem hipocrisias ou máscaras. Abra-se completamente a Deus e permita que Ele visite sua história e a transforme. Você é chamado a antecipar o que viverá em plenitude no céu. Seja seu chamado ao matrimônio ou ao celibato, sacerdócio, vida religiosa, família, leigo consagrado, missionário, político, atleta, entre tantos outros estados de vida e apostolados, todos são chamados a algo em comum: que sua relação pessoal com Jesus seja a prioridade de cada dia, para que todo o restante de sua vida esteja à disposição de seu Amado. E vamos caminhar juntos. Pois, como já dizia Pe. Léo: sozinhos só iremos ao inferno.

PROFESSOR FELIPE MENDES

 

REFERÊNCIAS

-Bíblia Sagrada, Tradução oficial da CNBB. 3ª Ed, 2019.

-LAGRANGE, Reginald Garrigou. O homem e a eternidade. Lisboa: Editorial Aster, 1958.