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Reconstruir o Templo e Purificar o Olhar: do chamado de Ageu à cegueira de Herodes

29 de setembro de 2025

O rei Herodes buscava ver com os olhos, mas estes não foram criados apenas para satisfazer o desejo imediato diante das formas e cores do mundo, e sim para contemplar a beleza eterna que pulsa em todas as criaturas; quando, no entanto, se limitam apenas ao visível, cegam-se para aquilo que lhes é próprio por natureza, dado pelo Criador: a capacidade de perceber a beleza primordial, oculta às feras e inalcançável até mesmo aos anjos, seres perfeitos que a enxergam mas não a degustam como o homem, pois este, moldado do barro e abrasado com a mesma substância luminosa da qual os anjos foram tecidos, foi erguido pelo Ancião dos Dias com uma dignidade sem igual em toda a criação, tornando-se templo vivo no qual a beleza eterna arde em silêncio.

Por ignorar essa verdade, em vão Herodes lançou seus olhos ao horizonte na tentativa de encontrar o Cristo nas formas externas, colhendo apenas a sombra de si mesmo e daquilo que qualquer animal é capaz de realizar. E, embora em seu peito ardesse um desejo inevitável — a marca do Oleiro eterno impressa no barro do coração — pela beleza que os olhos carnais não podem alcançar, o rei insistia apenas nas formas como um Narciso preso nas formas das vaidades.

Pois não é apenas o barro que contempla o Mistério; é o próprio Mistério que se estende a tudo, sem se limitar a lugar algum e —  longe de nossa compreensão —  envolvendo todas as coisas. Ainda assim, Ele se faz presente no altar de barro, esperando ser cuidado, arejado e purificado, para cumprir sua missão: transformar, embelezar e libertar daquilo que obscurece a percepção da verdadeira beleza — tanto do mundo quanto de si mesmo. Assim, é no encontro entre o olhar interior e o olhar exterior que a centelha oculta, silenciosa em sua chama, convoca o homem à visão interior. 

Em tempos passados, de modo semelhante, o profeta Ageu ergueu a voz dizendo: “Reconstruam o templo!”, mas eram apenas pedras frias, ruínas de uma alma abandonada entre vinhas ressequidas e celeiros vazios, um templo de pedra sem a chama que só o homem poderia acender com a sua capacidade de contemplar e de saborear a beleza com a alma, à semelhança do pássaro que se alegra no simples bater das asas contra a luz do sol; contudo, muitos continuam a viver como Herodes e como o povo dos dias de Ageu, reduzindo a beleza ao movimento que vai de fora para dentro, como fazem os animais, sem permitir que a beleza eterna, tão antiga e sempre nova, que habita o coração humano, transborde em amor verdadeiro de dentro para fora.

Assim disseram também os trovadores, ao cantar a natureza do amor: ele penetra sobretudo pelos olhos e toca o coração, e quando olhos e coração se harmonizam, nasce o Eros; mas somente quando esse movimento se inverte, e a beleza eterna depositada no interior do homem — esse cântaro de barro moldado por Deus para saciar a sede dos outros — transborda em doação, é que o amor deixa de ser simples desejo e se transfigura em ágape, não um amor novo no sentido de substituir outro, como fazem os homens perdidos em paixões passageiras, mas novo porque antes amava pouco em comparação com o muito que agora ama, não mais preso às formas externas, mas irrompendo do coração como fonte inesgotável.

Desse modo, tudo o que antes fluía de fora para dentro, ao ser tocado por essa beleza interior, ganha nova cor e novo sabor: o pão verdadeiramente alimenta, o vinho alegra como nunca, e a veste aquece com calor profundo, porque quando o homem permite que Tu, que já habitavas em seu coração, encontres um templo limpo e ordenado em seu corpo, então a beleza autêntica resplandece em todas as coisas.

Antes, eu mesmo me lançava apenas sobre as formas visíveis da Tua criação, como a cotovia que voa ao encontro do raio de sol, mas, sendo homem, ao imitar o pássaro, tornava-me Ícaro: perdia as asas e caía, tentando tocar o Belo com frágeis penas de cera em vez de alçar voo com as asas do Espírito Santo, de modo que o pão não me alimentava, o vinho não me alegrava e a veste não me aquecia, porque meu coração era deserto — como a caverna sonhada por Platão, voltado às sombras e cego à luz; por isso é necessário suplicar ao Espírito Santo que nos forme novamente no seio de Santa Maria, para que possamos nascer a uma vida melhor, tornando-nos semelhantes a um templo no qual se pode contemplar a Jesus, a fonte eterna de Beleza, que não desce dos olhos ao coração, mas irrompe do coração para transfigurar o olhar, de modo que Cristo não é contemplado por quem O busca como espetáculo, mas por quem Lhe prepara morada no próprio corpo como altar, e então tudo se reveste de nova cor: a água reluz como vinho, o pão torna-se mais doce que o mel da jataí, e até a veste mais simples inflama o corpo com o fogo do eterno.

PROFESSOR EDUARDO FARIA