Em um de seus pensamentos, o padre Víctor Fernández observa que, na busca pela solidão e no consequente encontro com a própria interioridade, é frequente a experiência do mero vazio eclesiástico. Isso ocorre porque a alma só possui vida e beleza quando ali habita o Espírito Santo e quando há verdadeira abertura à sua ação transformadora. Essa constatação se torna, para mim, cada vez mais evidente, gravando-se na alma com uma clareza pungente. Aquilo que por anos permaneceu como um conceito apenas lido em livros ou ouvido em discursos — devido a insistente dureza de coração, se revela paulatinamente com uma intensidade quase visceral: sem a luz do Espírito Santo, acabamos por confundir Deus com nossos próprios pensamentos, com nossas confusões mentais e, sobretudo, com sentimentos volúveis e inconsistentes. Inclusive, essa constatação encontra eco profundo na advertência de Jeremias 17: “Maldito o homem que confia no homem…”. Muitos, infelizmente, interpretam essa passagem como um alerta contra os outros — uma leitura superficial e equivocada, que desloca o sentido da profecia para fora de si.
No entanto, o próprio texto deixa claro que se trata de algo muito mais íntimo, pois diz: “Maldito o homem que confia no homem, faz da carne o seu braço, e afasta do Senhor o seu coração!”. Afastar o Senhor do coração é algo que fazemos com frequência, muitas vezes sem perceber, por isso, o pensamento do padre Víctor Fernández torna-se um chamado à vigilância: ele nos alerta sobre a tendência de confiarmos demais em nossos próprios sentimentos, pensamentos e certezas, os quais, sem a luz do Espírito Santo, não passam de sombras do verdadeiro discernimento. Como escreve o padre, com frequência, na busca pela voz do Espírito Santo, desejamos maior profundidade espiritual, mas, miseravelmente, deparamos com incoerências internas e, por exemplo, com um falso amor ao próximo, que muitas vezes apenas disfarça carências afetivas. Daí a necessidade de discernir se servimos a Deus ou apenas às expectativas sociais que nos rendem elogios e curtidas nas redes sociais. Deus é muito mais do que isso — e, sobretudo, sua recompensa, graças a Deus, é muito mais que aplausos mais passageiros do que nuvens nos desertos. Como afirma Salomão: “Os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos nada sabem, e para eles não há mais recompensa; até a sua memória jaz no esquecimento. O seu amor, o seu ódio e a sua inveja já pereceram; nunca mais terão parte em coisa alguma do que se faz debaixo do sol.”
Palavras implacáveis, mas necessárias, por isso, se queremos ser verdadeiramente profundos, busquemos sempre verdadeiramente o Espírito Santo em meio às nossas vozes mesquinhas e miseráveis. É verdade que há momentos em que desejamos ser mais espirituais, mais profundos, mais firmes na fé, e queremos sentir que algo mudou dentro de nós; mas, ao nos olharmos com sinceridade, percebemos que nem sempre há ali o que esperávamos encontrar. Às vezes, em vez de profundidade, há confusão, em vez de amor, há egoísmo disfarçado, em vez de silêncio sagrado, há sim um silêncio, mas o silêncio do vazio eclesiástico que ecoa de forma crua a nossa efemeridade se não estamos preenchidos desse encontro verdadeiro e gradual com o Espírito Santo.
Os discípulos de Emaús, na passagem de Lucas 24, simbolizam precisamente esse tema abordado, caminhando tristes, desanimados, incapazes de reconhecer o próprio Jesus ressuscitado ao seu lado. Somente quando Ele partiu o pão e iluminou suas mentes com as Escrituras, seus olhos se abriram, dessa forma, foi a presença do Ressuscitado no pão e no ato da partilha do pão (Eucaristia) a qual os transformou, e não um simples movimento de vontade própria ou uma introspecção ingênua e solitária dos discípulos. Em outras palavras, é necessário o movimento de Cristo em nossa vida, e, em movimento secundário — mas não menos necessário —, um reconhecimento genuíno de Sua presença, que não se limita a um entendimento superficial do que se leu ou ouviu, tampouco às afetações sentimentais vazias.
É isso que falta quando sentimos nosso coração em uma experiência superficial com o Espírito Santo, não através de técnicas espirituais mirabolantes ou extravagantes, mas pela presença viva do Espírito Santo dentro de nós. Sem Ele, até nossos melhores sentimentos se tornam instáveis; com Ele, até o nosso vazio, o nosso “nada”, se torna fértil e preparado para o “tudo” que é a união plena com Deus. Como São João da Cruz ensina, ao abandonarmos nossos apegos e ego, nos abrimos para a plenitude divina e somos preenchidos com a presença do Espírito. Por isso, se hoje nos encontramos confusos, vazios, ou mesmo enganados por nós mesmos e, por isso, cansados, não devemos nos condenar, mas sim insistir em cada vez mais abrir espaço para a voz do Espírito Santo na mesma abertura de coração dos discípulos de Emaús os quais ainda que desesperançados estavam abertos à ação divina. O Espírito Santo deseja habitar em nós, dar vida à nossa interioridade e transformar até o cansaço e a frustração da busca em uma missão que nos conduz à verdadeira fonte de vida, uma fonte que transborda de tal maneira que sai de nossos corações e inunda tudo ao nosso redor, preenchendo de vida o que nos cerca. Como os discípulos, deixemo-nos surpreender por Aquele que entra em nossa casa, mesmo com as portas fechadas, e nos diz: “A paz esteja convosco”.
PROFESSOR EDUARDO FARIA