“Neste final de semana, teremos uma excelente oportunidade para fazer uma profunda reflexão sobre um assunto muito evitado: a morte, a única certeza da vida de qualquer pessoa, mas que ainda assim nos assusta. Não é de se julgar que algumas pessoas tenham pavor de figuras como ‘‘caveiras, esqueletos e túmulos’’. Entretanto, São Francisco de Assis tinha o costume de se referir à morte como irmã.”
Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa, a morte corporal,
da qual nenhum homem vivente pode escapar.
Ai daqueles que morrerem em pecado mortal:
bem-aventurados os que ela encontrar na tua santíssima vontade,
porque a morte segunda não lhes fará mal!
Se a morte é uma certeza, para nós, católicos, deve ser uma esperança do encontro com nosso Amado. Meditar sobre a morte é algo necessário para fazermos uma análise de como temos vivido: momentos que deixamos de viver, apegos às coisas passageiras, ofensas que deixamos de reparar, entre tantas outras coisas que estarão em nosso juízo particular e final.
Desta forma, faço um convite para viver um tríduo da eternidade: dias 31 de outubro, 1º e 2 de novembro. Em cada dia, propõe-se meditar sobre os destinos reservados à humanidade: a perdição eterna, a santidade e a purificação dos salvos.
31 de outubro: nas vésperas do Dia de Todos os Santos, dia de celebração para nossos amigos do céu, por isso é interessante meditarmos sobre o destino oposto, contra o qual devemos lutar com todas as nossas forças: a perdição eterna no inferno. Segundo Reginald Garrigou-Lagrange: ‘O inferno é o estado dos condenados — dos demônios e dos homens mortos em estado de pecado mortal e, por isso, punidos eternamente’. A existência do inferno é amplamente relatada na Sagrada Escritura, dentre muitas passagens, destaca-se a de Mt 25, 31-46, a qual fala da separação dos justos à direita e dos ímpios à esquerda, de acordo com suas obras de misericórdia (dar de comer, beber, vestir os nus, visitar os presos, cuidar dos doentes e acolher os estrangeiros). No versículo 46, Jesus diz: ‘E esses irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna’.
Das artimanhas do demônio para causar confusão, com toda certeza a mais ardilosa é a de convencer da inexistência do inferno. Afinal, Deus não é misericórdia? Respondo: sim, e seus braços misericordiosos estão abertos, prontos para acolher todo pecador que se arrepende. Mas, como recorda o Papa Francisco: ‘Deus não se cansa de perdoar; nós é que nos cansamos de pedir perdão’. É bom que fique claro: o pecado mortal é um grande NÃO a Deus. É a nossa recusa ao bem maior. Deus não nos puxará para perto d’Ele sem a nossa vontade. E o pior castigo da alma que vai ao inferno é nunca mais ver a Deus, pois essa foi a decisão dela. Só temos este tempo para amar a Deus. Será que vale a pena continuar nesse pecado de estimação? Naquela prática que só te afunda na lama, te prejudica e te afasta dos outros? Vale a pena guardar mágoa e ódio, sair sem se despedir? Vale a pena afastar pessoas umas das outras, criar rixas por ciúmes ou inveja? O preço é muito caro. Que a meditação do inferno seja o primeiro passo para uma decisão determinada de amar. Lembre-se disso quando vier a tentação.
1º de novembro: Dia de Todos os Santos, dia de celebrar nossos amigos do céu, que alcançaram a eternidade após se entregarem por completo a Deus. Muitos imaginam que santos são seres ‘folclóricos’ originários da Idade Média, cujas histórias não fazem sentido nos tempos atuais — algo que só pode ser dito por quem nunca leu sobre a vida dos santos. Conhecer suas histórias é uma experiência necessária. Comece pelos santos mais recentes, como São João Paulo II, um exemplo aconteceu durante a minha infância, quando ele estava vivo e era o Papa. Lembro-me de o padre rezar na missa: ‘Lembrai-vos, ó Pai, da Vossa Igreja, que ela cresça na caridade com o Papa João Paulo II’. Vivi no mesmo período que um santo. Uma pessoa de 60 anos viveu no mesmo tempo em que viveu Padre Pio. E recordar os santos nem é tanto por causa de seus milagres; não é nisso que devemos focar, mas sim no ardente amor com o qual amaram a Jesus em vida e hoje amam na eternidade.
O amor consiste em ir além do que é obrigatório. Os santos foram aqueles que deram uma resposta diferente da que deu o jovem rico do Evangelho (Mt 19, 16-30). São aqueles que deixaram tudo para que Deus fosse seu único bem, seu único senhor e seu único amor: famílias, sacerdotes, religiosas, mártires, missionários leigos, dentre tantos outros. Muitos fizeram loucuras de amor; outros amaram ardentemente em sua vida ordinária e comum. São João Paulo II viajou quase o mundo todo. Santa Teresinha rezava no Carmelo. São José, em seu trabalho e vida familiar, era mais escondido que a própria Virgem Santíssima (a ‘sombra do Pai’, como gosto de chamar), e assim viveu amando sua Sagrada Família. São Damião de Molokai foi viver com leprosos para dar-lhes os sacramentos. São Luís Martin e Santa Zélia geraram e educaram filhas virtuosas. Santa Maria Goretti morreu para não perder a pureza. Beato Carlo Acutis utilizava a internet para propagar a devoção à Santíssima Eucaristia.
E qual será a sua história de amor com Jesus? Talvez a Igreja não a reconheça para colocá-la nos altares, mas lembre-se de que há santos conhecidos apenas por Deus (Bento XVI). Ser santo é um chamado para todos, pois todos merecem viver uma linda história de amor com o Amado. O santo é um apaixonado. Quanto tempo você dedica ao Amado? Leia sobre os amigos do céu e peça a intercessão deles para que tenha um amor apaixonado por Jesus e para que, juntos, você e Cristo possam construir uma linda história de amor.
2 de novembro: Após refletirmos sobre os destinos do homem, concluímos o tríduo da eternidade em oração pela Igreja Padecente. Trata-se das almas que morreram na graça de Deus e estão em purificação antes de chegar ao céu — ou seja, os salvos. No Evangelho de Mateus (12, 32): ‘Mesmo se alguém falar uma palavra contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; mas se falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no mundo que há de vir’. Sobre esta passagem, comenta Garrigou-Lagrange: ‘Essas palavras supõem, segundo a Tradição, que certos pecados podem ser perdoados após a morte. Vê-se, por outro lado, que não podem ser pecados mortais; trata-se, portanto, de pecados veniais ou da pena devida pelos pecados mortais já perdoados, mas ainda não expiados.’
Uma breve explicação: quando quebramos, de propósito, a taça de vidro favorita de alguém, podemos nos arrepender e pedir o perdão para essa pessoa por tê-la quebrado. E essa pessoa pode até nos perdoar. Entretanto, a taça continua quebrada e a pessoa continua sem sua taça, até que eu repare o meu erro. Isso também ocorre com nossos pecados: após a confissão, Deus nos perdoa da pena eterna do inferno, mas o pecado tem consequências que precisam ser reparadas.
“Agora lhe pergunto: quantas vezes, ao se confessar, você procura incluir em seu exame de consciência uma verdadeira proposta de emenda? Ou seja, o que fará de forma efetiva para não cometer este pecado novamente? Não basta apenas prometer no ato de contrição; para uma boa eficácia da luta contra o pecado, é importante uma clara definição de uma proposta de emenda: “Que atitudes tomarei para não cair de novo neste pecado que me aprisiona?” Este é o caminho não apenas para evitar o inferno, mas para alcançar diretamente o céu, buscando reparar as penas de nossos pecados ainda aqui, enquanto vivemos essa história de amor com Jesus.
Ao lembrarmos dos fiéis defuntos, falamos necessariamente das almas que estão no purgatório. Quem está no céu ou no inferno não precisa de nossas orações: os santos já desfrutam da glória eterna, e os condenados não possuem mais recurso. Porém, há as almas que, na graça de Deus, se purificam das penas temporais para se unirem a Ele no matrimônio definitivo. Por isso, reze pelas almas do purgatório, especialmente por familiares e amigos já falecidos. Não sabemos o destino deles; se estiverem no purgatório, precisarão de nossas orações. Lembre-se dos fiéis defuntos que conviveram com você e recorde com carinho dos momentos que passaram juntos. Não os esqueça, para que suas histórias de vida também não sejam apagadas, do mesmo modo que desejamos que nossa própria história de vida seja lembrada pelos descendentes como uma herança de memórias e ensinamentos para a eternidade.
Que, nestes dias em que recordamos os novíssimos do homem — morte, juízo, inferno e paraíso —, possamos considerar a morte como uma grande amiga, a irmã que nos levará para longe do inferno e para perto de Deus e dos amigos no céu. Que sua história de amor com Jesus comece hoje e permaneça por toda a eternidade.”
PROFESSOR FELIPE MENDES
REFERÊNCIAS
-Bíblia Sagrada, Tradução oficial da CNBB. 3ª Ed, 2019.
-LAGRANGE, Reginald Garrigou. O homem e a eternidade. Lisboa: Editorial Aster, 1958.
-Catecismo da Igreja Católica – Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
-ASSIS, São Francisco de. Cântico do Irmão Sol. Disponível em https://franciscanos.org.br/carisma/cantico-do-irmao-sol.html#gsc.tab=0.