No princípio, o homem ergueu-se do pó como corpo moldado na terra e relampejou como faísca arrancada do sopro divino: barro que respira e espírito que cintila, unidos na mesma criatura. O pó ergueu-lhe a carne como oratório vivo, frágil templo de ossos e argila onde o Invisível buscava morada; e o relâmpago, centelha vinda do coração do Eterno, irrompeu como ícone flamejante, imagem sagrada que incendiava o altar de barro. Assim nasceu em dupla e una natureza — corpo e espírito — criatura forjada para arder entre o abismo do finito e a chama infinita.
Sua carne trazia a marca indelével da Imagem: um selo de fogo sagrado gravado em cada gota de sangue, centelha que resiste mesmo quando os ventos do mundo sopram cinzas para apagar sua luz: Eis o homem, templo vivo, oratório ardente, portador da imagem indelével do Eterno. Mas eis que à Imagem se ajunta a Semelhança: no princípio, dádiva luminosa; após a queda, cicatriz em chamas, senda áspera de ascensão. Ser imagem é existir; tornar-se semelhança é entregar-se ao cinzel flamejante do Espírito, deixar que Ele o despedace e o refaça até que, no vazio interior, o homem perceba a vastidão infinita que insiste em preencher com fragmentos quebrados do mundo.
E eis o Espírito: não brisa calma, mas tempestade que despedaça colunas; não rio manso, mas corrente violenta que arranca rochedos da alma; não fogo tênue, mas labareda que escreve em cada célula a lei invisível do Infinito. Quando desce sobre o homem, já não resta barro morto: o corpo floresce em brasas, dança como coluna ardente diante do Trono que arde entre os Serafins. O Espírito é o espaço que o envolve — toda a vastidão do ar que sustenta cada fibra — e, ao mesmo tempo, chama escondida que devora o peito como um sol íntimo. Mas tantas vezes o homem se esquece: caminha como quem respira cinzas em vez de ar, cego pelas sombras do orgulho, enquanto o sol, às costas, incendeia o seu horizonte de um futuro mesquinho. Esquece o rosto moldado pelo Inefável, e sua alma se cobre de pó, como espelho estilhaçado nas ruínas.
E quando esse Espírito sopra, o homem em mim já não é o mesmo: é transfigurado no Corpo de Cristo — dom ardente da Eucaristia, fogo oferecido a quem nada merece. Então, o Pó resplandece como ouro em brasa, como se cada partícula de meu ser fosse uma estrela acesa no abismo; logo vejo meu corpo despido de vaidade, mas vestido de fogo; cada nervo, uma corda tensa na harpa eterna que passa a ressoar o Nome do Altíssimo.
A carne passa a se assemelhar ao Verbo vivo, pulsando como uma palavra gravada não em tinta, mas em sangue. O coração, outrora fechado como pedra, se quebra até revelar o ouro oculto pela soberba.
As lágrimas se transformam em sementes de eternidade, caindo do meu rosto como chuvas de fogo que fecundam a terra morta; e, onde antes havia deserto, nasce jardim, e, onde havia ruína, ergue-se o templo, a natureza original e inalienável da Imagem.
E tudo, absolutamente tudo, ganha esse valor apenas na medida em que reconheço minha miséria, pois é do abismo que a luz irrompe; e é no nada que o Eterno grava seu Nome de fogo.
E vejo, enfim: não é mais o homem que respira, mas o Espírito em mim, que me arranca das trevas e me coloca, como poeira ardente, no coração de Deus.
E eu, pequena criatura, chamada a esse movimento impossível — ser templo e oratório em chamas — no abismo do silêncio me curvo em oração: Vem, Espírito Santo! Faz de mim a semelhança viva, pois a imagem, já gravada em mim desde o princípio, jaz apenas adormecida; desperta-a, inflama o pó em ouro ardente, e transforma o impossível em realidade incandescente.
PROFESSOR EDUARDO FARIA