Em tempos de crise, a figura do líder emerge como central na construção e manutenção da Fé. A passagem de Ezequiel 34,1-11 ressoa com força especial nesse contexto, convocando-nos a refletir sobre o papel do pastor quando comparadas à literatura grega e romana da Antiguidade. Como exemplo, o profeta Ezequiel denuncia os pastores (líderes) de Israel por sua negligência ao não cuidar e proteger o povo. Esta crítica não se dirige apenas aos líderes de seu tempo, mas ecoa através dos séculos, lembrando que a verdadeira liderança não é uma questão de poder, mas de serviço e sacrifício – assim como o pai é para a família, não um pai tirano como tentam pintar a figura do pai nos moldes cristãos. Seguindo estes princípios, Ezequiel, ao mostrar um pastor, no sentido mais profundo, como aquele que cuida, alimenta e protege suas ovelhas, isso reflete o próprio cuidado de Deus, basta observar seu sacrifício para salvar a humanidade.
Essa mesma imagem de liderança como pastoreio surge na “Ilíada” quando Agamenon, o comandante dos exércitos gregos, é frequentemente chamado de “pastor do povo (“ποιμήν λαῶν” – poimḗn laōn)”, em uma das traduções. No entanto, ele muitas vezes falha em proteger seus guerreiros, colocando sua ambição pessoal acima do bem-estar de seus comandados. Esta falha em sua liderança ecoa as críticas de Ezequiel, sublinhando a universalidade da mensagem: um pastor que se afasta de seu dever de proteger, guiar e até mesmo se sacrificar pelo seu povo perde sua legitimidade como líder.
Em contrapartida, na “Eneida”, Virgílio nos apresenta Eneias, um líder que personifica o ideal do bom pastor. Eneias, ao guiar seu povo através de perigos imensuráveis, demonstra uma liderança sacrificial, comprometida com o bem-estar daqueles que foram confiados a ele. Este exemplo de liderança ressoa profundamente com a visão bíblica do pastor justo, que se dedica a seu rebanho com amor e coragem, ainda que possa colocar sua vida em risco.
Da mesma forma, em outra obra de Virgílio, “Geórgicas”, há uma exaltação ao cuidado atencioso do agricultor e do pastor. Apesar de que a obra se concentra no cultivo da terra e na criação de animais, a semelhança é clara: a responsabilidade do pastor/líder, assim como a do agricultor, é zelar pelo bem-estar de sua “terra” e “rebanho”. Quando relaxada, essa responsabilidade leva à decadência, tanto na agricultura e no pastoreio de ovelhas, quanto na sociedade.
Há um tema em comum na literatura clássica que perpassa em várias obras da Antiguidade Clássica, e este tema apenas reforça o alerta de Ezequiel: o abandono do dever pastoral resulta em desastre para o povo e até mesmo em ruína para os próprios pastores por castigo divino, como em Ilíada, ou por mera consequência dos fatos. Mas o principal mal é a perda das ovelhas para longe do Caminho, da Verdade e da Vida. Deve-se, portanto, clamar por boas vocações sacerdotais e bons pais que possam encaminhar as ovelhas para a Vida, e, sabemos bem, que Vida só se encontra em Cristo e na Igreja deixada por ele.
PROFESSOR EDUARDO FARIA