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A Maternidade na “Pietà” de Michelangelo e na Vida de Santa Mônica

27 de agosto de 2024

Ao revisitar um antigo estudo que havia abandonado, retomei algumas reflexões que demonstram como algumas concepções acerca de Nossa Senhora são atemporais e universais, especialmente em relação à grandiosidade de ser Mãe. Estou me referindo à escultura “Pietà” de Michelangelo do século XVI, localizada na Basílica de São Pedro representando a Virgem Maria segurando o corpo de Jesus Cristo após a crucificação. Um fato interessante na obra do escultor renascentista se encontra no manto de Nossa Senhora, em particular, objeto de diversas interpretações em relação aos sentimentos e espiritualidade da Virgem e ao simbolismo da maternidade em geral.

Para iniciar a análise, a disposição do manto na Pietà pode ser interpretada como um símbolo de proteção, evidente na maneira como ele envolve o corpo de Cristo, quase como transmitindo a sensação de que Ele ainda é o Menino Jesus nos braços de sua Mãe; o manto parece ser parte integrante da própria Santa. Partindo desse princípio, mesmo com Cristo morto em seu colo, o manto sugere que a Virgem continua a cuidar e proteger Jesus como se Ele fosse um bebê adormecido (o menino Jesus), exemplificando o amor maternal, semelhante à simbologia da videira do Salmo 128:3: “Tua esposa (mãe) será como a videira frutífera, no interior da tua casa; teus filhos, como brotos de oliveira, ao redor da tua mesa.” Este salmo simboliza o que é ser mãe, descrevendo a prosperidade e a felicidade da família reunida sob uma videira, prática comum na cultura hebraica, semelhante a compartilhar uma refeição à mesa hoje em dia. A comparação da esposa/mãe com uma videira carregada de bagas de uva (como os frutos da Graça em uma leitura interpretativa mais antiga) representa fertilidade, prosperidade e bênção dentro do lar, onde a videira, envolvendo a família reunida, simboliza a mãe em sua função, e os frutos da videira, a vida gerada no coração de cada membro da família.

Retomando a análise do manto após essa digressão, a forma como ele cai sobre o corpo de Cristo pode ser vista como um gesto de ternura e um último ato de cuidado materno, assim como a videira que cobre a família reunida. Além disso, pode-se perceber a grandiosidade espiritual de Santa Maria como Mãe, pois ela está representada em uma escala maior do que o corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, o que pode ser interpretado como um símbolo de sua grandiosidade espiritual. O manto, que envolve e domina a escultura como um todo, amplia essa percepção, sugerindo que Maria, em sua obediência e resignação ao suportar a dor, demonstra uma transcendência do sofrimento humano comum. Sua serenidade contrastante com o sofrimento de Cristo aponta para sua aceitação divina do sacrifício de seu filho Deus e sua participação no plano de salvação, além de mostrar o dogma da Santa como a videira de onde brotou o vinho da salvação, novamente o significado da videira do salmo em relação a gerar vida.

Para acrescentar, à maneira da Virgem na Pietà, Santa Mônica exemplifica a grandiosidade espiritual da maternidade através de sua luta incansável para gerar vida santificante em Santo Agostinho, comparável à videira do Salmo 128, que gera o vinho da Vida em comunhão, simbolizando Cristo. Mônica, com a mesma dedicação que a Virgem demonstra pelo Menino Jesus, guiou Agostinho em sua jornada espiritual, tanto em corpo quanto em espírito, rezando incessantemente por sua conversão e acompanhando suas lutas e dúvidas com muito pesar e sofrimento em seu espírito. Sua força espiritual, simbolizada pelo manto da Pietà que envolve Cristo, cercou Agostinho ao longo de sua vida, conduzindo-o à santidade e gerando vida nova em seu filho, que, por sua vez, renovou a vida cristã com seus ensinamentos. Assim, Mônica personifica o papel do manto da Pietà, cobrindo seu filho de proteção e vida, como a videira do Salmo 128.

Soma-se a isso duas interpretações que enriquecem a compreensão da “Pietà” de Michelangelo à luz da simbologia da maternidade como geradora de vida. A primeira interpretação refere-se ao estado espiritual da Imaculada, representado pelo volume e fluidez do manto. O manto, com sua sensação de estar caindo pesadamente, transmite o peso das dores da Virgem Maria, acentuando o imenso sofrimento espiritual silencioso que a Santa suporta. Essa representação demonstra a intensidade do sofrimento de Maria de forma quase palpável. A segunda relaciona-se à pureza da Virgem e ao dogma da Imaculada Conceição, como se pode observar nas dobras suaves e fluidas do manto a evocar a água de uma fonte que jorra calmamente, sugerindo uma antiga alusão à Santa como a Fonte de Água de onde brotou a Vida, ou seja, Cristo. Assim como uma fonte é pura e inviolada, o manto simboliza a pureza e a imaculada concepção de Maria, permanecendo uma fonte de vida espiritual mesmo em meio à tragédia. Esta visão é reforçada pelo simbolismo (além do salmo supracitado) do Cântico dos Cânticos 7:8-9: “Vou subir na palmeira e colher os seus frutos; os teus seios são como cachos de uvas da videira.” Assim como a videira proporciona frutos de vida, a figura dos seios como fonte de vida no Cântico acima faz referência se à amamentação, simbolizando o sustento e a nutrição que a Imaculada oferece a Cristo. O manto, envolvendo Cristo em seu colo, pode ser visto como uma extensão desse aleitamento materno espiritual, onde Santa Maria nutre e protege a vida espiritual de seu Filho, enfatizando a grandiosidade da maternidade e a continuidade da vida com pureza e amor.

Em suma, o manto da “Pietà” representa, em muitos aspectos, a simbologia da figura materna, refletindo a fertilidade, a nutrição, o sofrimento silencioso e e geração de vida familiar concebida debaixo da Videira. No caso de Nossa Senhora, essa Videira é a fonte do Vinho da Vida, que trouxe do Vinho da Vida para todos. Contudo, essa simples Videira, a Virga de Jesse, carinhosamente conhecida como Nossa Senhora, também simboliza o aconchego e as boas memórias afetivas debaixo da videira, como era na tradição da época. A Santa enchia a casa da Sagrada Família de boas memórias afetivas com seus aromas e risos durante uma simples refeição de uma simples família constituída por um simples carpinteiro, um simples menino, seu aprendiz e uma simples senhora a zelar por esse clima afetuoso, algo que somente uma mãe consegue fazer.

PROFESSOR EDUARDO FARIA