Ao revisitar um antigo estudo que havia abandonado, retomei algumas reflexões que demonstram como algumas concepções acerca de Nossa Senhora são atemporais e universais, especialmente em relação à grandiosidade de ser Mãe. Estou me referindo à escultura “Pietà” de Michelangelo do século XVI, localizada na Basílica de São Pedro representando a Virgem Maria segurando o corpo de Jesus Cristo após a crucificação. Um fato interessante na obra do escultor renascentista se encontra no manto de Nossa Senhora, em particular, objeto de diversas interpretações em relação aos sentimentos e espiritualidade da Virgem e ao simbolismo da maternidade em geral.
Para iniciar a análise, a disposição do manto na Pietà pode ser interpretada como um símbolo de proteção, evidente na maneira como ele envolve o corpo de Cristo, quase como transmitindo a sensação de que Ele ainda é o Menino Jesus nos braços de sua Mãe; o manto parece ser parte integrante da própria Santa. Partindo desse princípio, mesmo com Cristo morto em seu colo, o manto sugere que a Virgem continua a cuidar e proteger Jesus como se Ele fosse um bebê adormecido (o menino Jesus), exemplificando o amor maternal, semelhante à simbologia da videira do Salmo 128:3: “Tua esposa (mãe) será como a videira frutífera, no interior da tua casa; teus filhos, como brotos de oliveira, ao redor da tua mesa.” Este salmo simboliza o que é ser mãe, descrevendo a prosperidade e a felicidade da família reunida sob uma videira, prática comum na cultura hebraica, semelhante a compartilhar uma refeição à mesa hoje em dia. A comparação da esposa/mãe com uma videira carregada de bagas de uva (como os frutos da Graça em uma leitura interpretativa mais antiga) representa fertilidade, prosperidade e bênção dentro do lar, onde a videira, envolvendo a família reunida, simboliza a mãe em sua função, e os frutos da videira, a vida gerada no coração de cada membro da família.
Retomando a análise do manto após essa digressão, a forma como ele cai sobre o corpo de Cristo pode ser vista como um gesto de ternura e um último ato de cuidado materno, assim como a videira que cobre a família reunida. Além disso, pode-se perceber a grandiosidade espiritual de Santa Maria como Mãe, pois ela está representada em uma escala maior do que o corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, o que pode ser interpretado como um símbolo de sua grandiosidade espiritual. O manto, que envolve e domina a escultura como um todo, amplia essa percepção, sugerindo que Maria, em sua obediência e resignação ao suportar a dor, demonstra uma transcendência do sofrimento humano comum. Sua serenidade contrastante com o sofrimento de Cristo aponta para sua aceitação divina do sacrifício de seu filho Deus e sua participação no plano de salvação, além de mostrar o dogma da Santa como a videira de onde brotou o vinho da salvação, novamente o significado da videira do salmo em relação a gerar vida.
Para acrescentar, à maneira da Virgem na Pietà, Santa Mônica exemplifica a grandiosidade espiritual da maternidade através de sua luta incansável para gerar vida santificante em Santo Agostinho, comparável à videira do Salmo 128, que gera o vinho da Vida em comunhão, simbolizando Cristo. Mônica, com a mesma dedicação que a Virgem demonstra pelo Menino Jesus, guiou Agostinho em sua jornada espiritual, tanto em corpo quanto em espírito, rezando incessantemente por sua conversão e acompanhando suas lutas e dúvidas com muito pesar e sofrimento em seu espírito. Sua força espiritual, simbolizada pelo manto da Pietà que envolve Cristo, cercou Agostinho ao longo de sua vida, conduzindo-o à santidade e gerando vida nova em seu filho, que, por sua vez, renovou a vida cristã com seus ensinamentos. Assim, Mônica personifica o papel do manto da Pietà, cobrindo seu filho de proteção e vida, como a videira do Salmo 128.
Soma-se a isso duas interpretações que enriquecem a compreensão da “Pietà” de Michelangelo à luz da simbologia da maternidade como geradora de vida. A primeira interpretação refere-se ao estado espiritual da Imaculada, representado pelo volume e fluidez do manto. O manto, com sua sensação de estar caindo pesadamente, transmite o peso das dores da Virgem Maria, acentuando o imenso sofrimento espiritual silencioso que a Santa suporta. Essa representação demonstra a intensidade do sofrimento de Maria de forma quase palpável. A segunda relaciona-se à pureza da Virgem e ao dogma da Imaculada Conceição, como se pode observar nas dobras suaves e fluidas do manto a evocar a água de uma fonte que jorra calmamente, sugerindo uma antiga alusão à Santa como a Fonte de Água de onde brotou a Vida, ou seja, Cristo. Assim como uma fonte é pura e inviolada, o manto simboliza a pureza e a imaculada concepção de Maria, permanecendo uma fonte de vida espiritual mesmo em meio à tragédia. Esta visão é reforçada pelo simbolismo (além do salmo supracitado) do Cântico dos Cânticos 7:8-9: “Vou subir na palmeira e colher os seus frutos; os teus seios são como cachos de uvas da videira.” Assim como a videira proporciona frutos de vida, a figura dos seios como fonte de vida no Cântico acima faz referência se à amamentação, simbolizando o sustento e a nutrição que a Imaculada oferece a Cristo. O manto, envolvendo Cristo em seu colo, pode ser visto como uma extensão desse aleitamento materno espiritual, onde Santa Maria nutre e protege a vida espiritual de seu Filho, enfatizando a grandiosidade da maternidade e a continuidade da vida com pureza e amor.
Em suma, o manto da “Pietà” representa, em muitos aspectos, a simbologia da figura materna, refletindo a fertilidade, a nutrição, o sofrimento silencioso e e geração de vida familiar concebida debaixo da Videira. No caso de Nossa Senhora, essa Videira é a fonte do Vinho da Vida, que trouxe do Vinho da Vida para todos. Contudo, essa simples Videira, a Virga de Jesse, carinhosamente conhecida como Nossa Senhora, também simboliza o aconchego e as boas memórias afetivas debaixo da videira, como era na tradição da época. A Santa enchia a casa da Sagrada Família de boas memórias afetivas com seus aromas e risos durante uma simples refeição de uma simples família constituída por um simples carpinteiro, um simples menino, seu aprendiz e uma simples senhora a zelar por esse clima afetuoso, algo que somente uma mãe consegue fazer.
PROFESSOR EDUARDO FARIA