A resposta de Deus a Moisés sobre Sua natureza frequentemente gera mais perguntas do que esclarecimentos, impulsionando a busca contínua por compreender a relação entre a natureza humana e a divindade, superando o potencial limitado de uma resposta única. Enquanto uma resposta se torna conhecimento estabelecido, as dúvidas persistem, gerando constantemente novas respostas e perpetuando o ciclo de questionamento. Tomando este pressuposto, ao observar a resposta em Êxodo 3:14, “Eu sou o que sou” (Moisés passa a se referir a Deus dessa maneira “Ehyeh”), este nome acabou se tornando, na tradição judaica, um dos sete nomes de Deus, mas o que nos importa é o título “Ehyeh”.
Quando é realizada a tradução literal da palavra, obtém-se a tradução para o futuro do indicativo: “serei”. Dessa forma, teríamos a expressão: “Eu serei o que serei”. Pode-se entender algo como: “Eu serei para ti aquilo que você precisa que eu seja”; no entanto, o mistério não termina, pois esta interpretação teria uma conotação de um Deus que se adapta para cada indivíduo ou povo, ou seja, um Deus que se adapta ao mundo, e isso não é verdade. Logo, a compreensão correta está mais para: “Eu serei para ti aquilo que você precisa que eu seja”. Portanto, parece ser que Deus será para cada indivíduo o que ele necessita, sem que Ele perca Sua essência. Isso pode ser exemplificado pelas vezes em que Deus fornece o que é necessário, não o que é solicitado. A partir desse ponto, convido a uma reflexão mais profunda sobre a natureza divina e sua relação com as necessidades humanas, usando para isso a vida de alguns santos.
À medida que exploramos a relação única entre a natureza divina e as especificidades de cada santo, encontramos exemplos claros na vida deles, cujas experiências destacam a maneira como Deus age individualmente, mas sem perder sua Unidade Divina. Santa Teresa de Ávila, por exemplo, experimentou uma profunda união com Deus. Sua experiência interior a levou a entender a presença de Deus de uma maneira singular, ou seja, Deus foi para Teresa o guia amoroso em sua jornada espiritual. Ele atendeu às necessidades de sua alma, proporcionando-lhe uma compreensão profunda da oração contemplativa a ponto de experimentar algo singular conhecido como o Êxtase de Santa Teresa.
Por outro lado, São João da Cruz, contemporâneo de Santa Teresa de Ávila, compartilhou uma experiência de profunda conexão com Deus relacionada com a “Noite Escura da Alma”. Durante esse período, ele experimentou uma aparente ausência de Deus e, ainda que Santa Teresa a tenha vivido, em São João da Cruz essa experiência foi vivida com mais proximidade. Nesta noite escura, através da escuridão interior, ele vivenciou o que ele chamou de atingir o Tudo através do nada. Dessa forma, apesar dos dois santos terem vivido experiências místicas com Deus, como a Noite Escura, enquanto Santa Teresa de Ávila teve uma jornada em direção a Deus mais luminosa e extrovertida, São João da Cruz enfrentou o Nada, ou seja, uma aridez espiritual extrema.
Dando continuidade, podemos lembrar de outro par de santos, o primeiro, São Francisco de Assis, e sua vida de simplicidade e pobreza, seguindo os ensinamentos de Cristo. Deus, para ele, foi a fonte de inspiração para uma vida de humildade e serviço aos menos afortunados. Além disso, Deus se mostrou a ele como uma proposta de uma reconstrução da Igreja e vivência absoluta em uma imitação de Cristo, a ponto de sua carne ser marcada pelos Estigmas. Semelhantemente, Santa Teresa de Calcutá teve um chamado para atender os mais pobres e marginalizados; no entanto, sua relação com Deus era caracterizada por uma profunda dedicação à caridade e ao serviço. Deus agiu sobre a santa como uma força que a impulsionou a atender às necessidades dos mais necessitados, moldando sua vida em um testemunho de amor incondicional. Ela, em contrapartida à vida de São Francisco, viveu este testemunho somado à experiência da Noite Escura da Alma.
A vida dos mais variados santos ao redor do mundo poderia ser utilizada com o intuito de demonstrar o ponto levantado por este texto. No entanto, acredito que o objetivo possa ter sido alcançado com os exemplos acima. Em suma, a busca contínua pela compreensão da relação entre a natureza humana e a divindade é um desafio intrínseco à experiência espiritual. Ao explorar a resposta de Deus a Moisés – “Eu sou o que sou” – e sua tradução como “Eu serei o que serei”, percebemos que essa afirmação divina transcende uma compreensão simplista. A interpretação correta sugere que Deus será para cada indivíduo o que ele precisa, mantendo inalterável a Sua essência divina. Ao examinar a vida de alguns santos, como Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz, São Francisco de Assis e Santa Teresa de Calcutá, podemos notar a diversidade de experiências individuais na busca por Deus. Assim, o mistério da relação entre a natureza divina e as necessidades humanas persiste, impulsionando a jornada espiritual de cada indivíduo em direção à compreensão e à busca contínua pela presença divina. Cada santo vivenciou uma relação única com a divindade, demonstrando que Deus age de maneiras distintas, adaptando-se a cada alma sem deixar de Ser o que sempre Será, ontem, hoje e sempre. Assim sendo, não há motivo nenhum para se agonizar por não conseguir ser, quase que fielmente, como um santo em específico, pois, assim como cada um de nós, ele também se sentiu fraco e pequeno, como Odisseu diante do mar. Mas, assim como o herói grego, todos estes santos guardavam no coração o seu horizonte final, ainda que nuvens pesadas o escondessem.
EDUARDO FARIA | PROFESSOR DO COLÉGIO MAGNIFICAT – UNIDADE DIVINÓPOLIS